Esse artigo foi publicado antes da final
que ocorreu no ultimo domingo 20/10/13 e que foi vencido pelo Leões da Geolândia, time fundado em
uma padaria.
O herói do título ganha a vida
trabalhando na dispensa de um restaurante. O baiano João Capetinha, de 24 anos,
ele foi o grande destaque no título do clube da Vila Medeiros, que venceu o
Família 100 Valor, do Jardim Panamericano, por 2 a 0 na final da Copa Kaiser de
futebol amador.
Nesse campeonato já passaram jogadores importantes do futebol nacional e mundial, como Elias, Leandro Damião e Ricardo Oliveira.
UOL Esporte – 18/10/2013
No domingo, termina a Copa Kaiser. É o
principal torneio de futebol amador de São Paulo (e, provavelmente, do país).
Para comemorar, separamos 21 curiosidades que resumem bem o que essa decisão
representa:
1. O jogo
A grande final está marcada para 13h30,
entre Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, e Família 100 Valor, do Jardim
Panamericano, no estádio do Nacional, na Barra Funda (na Avenida Marquês de São
Vicente, 2477).
Antes, será disputada a final da Série B
da Kaiser, entre Classe A/Barra Funda e Santa Cruz/Jardim Sinhá, às 11h.
2. Uniforme inusitado
O primeiro impacto de quem assistir à
partida, certamente, será o uniforme de um dos times. O Família 100 Valor usa a
camisa mais incomum da várzea paulistana (pelo menos entre as que o Papo de
Várzea conferiu). Em preto, verde e rosa, com um grande cifrão na frente, a
camisa tem a intenção de lembrar uma nota de dólar. Tem a ver com a história da
fundação do clube. Há dez anos, os diretores queriam criar um time de futebol,
mas bateram na porta de comerciantes e políticos locais. Receberam não de todos.
“Ninguém dava valor”, diz o técnico Mussum. Entendeu o nome? E se você quiser
saber o que o rosa tem a ver com tudo isso, continue lendo. A explicação não
está muito longe…
3. Time de irmãos
O jogo de palavras do 100 Valor você já
entendeu. Mas e a parte da família? Quem acompanha o futebol em geral sabe que
o rótulo acompanha aqueles times unidos e raçudos, em que um dá carrinho pelo
outro. Scolari e a seleção brasileira de 2002 são o melhor exemplo. Por isso,
você encontra o conceito em muitos times de várzea. O 100 Valor, no entanto,
explora a família em um nível poucas vezes vistos. O lateral Dica, o volante
Bia, o meia Du e o atacante Gão são irmãos e destaque do time.
4. Futebol e samba
Os quatro irmãos, que já passaram pelo
futebol profissional, aliás, fazem parte de um elenco formado quase em sua
totalidade pelo samba. Parece improvável, mas é verdade. O 100 Valor nasceu
como um time de futebol, mas ficou mais famoso na região do Jaraguá por suas
rodas de samba. Todo domingo, a sede do clube, chamada de Palácio da Várzea,
recebe um grande show. Só em 2013, passaram por lá grupos como Turma do pagode
e Pixote. Além disso, toda quarta-feira, rola uma roda de samba no local com
grupos da região. A diretoria do clube, que estava sempre nos “jogos pelas
quebradas”, convidava craques para frequentar as festas. Os jogadores se
tornaram amigos e entraram para a família. Quando o 100 Valor resolveu entrar
na Copa Kaiser, essa rede de boleiros amigos se transformou no elenco que
levaria a equipe à decisão do torneio logo em seu primeiro ano na Série A.
5. Mangueira na área
A ligação com a escola de samba carioca
Mangueira vem desta veia sambística do 100 Valor. Além de time de futebol, o
clube tem também um bloco de carnaval. Eles já fizeram parte da escola de samba
paulistana Camisa Verde e Branco e, no ano passado, fizeram uma parceria com a
verde e rosa (daí as cores no uniforme). A Mangueira mandou ritmistas para São
Paulo e, com isso, o desfile do 100 Valor contou com duas baterias, exatamente
como os cariocas costumam fazer no Rio de Janeiro. E, para quem está curioso, a
diretoria do clube já avisou: 20 ritmistas da Mangueira virão do Rio de Janeiro
para o esquenta e para a festa após a partida.
6. Éguinha Pocotó (o funk)
E já que o assunto é música, vale
comentar uma última ligação. Um dos destaques do time é o meio-campista
Jefferson. Mas, se você perguntar, pouca gente o conhece pelo nome. Há alguns
anos, ele estava chegando a um jogo e, no som do carro, que estava
relativamente alto, tocava o funk Éguinha Pocotó, de MC Serginho (e que tornou
famosa a dançarina Lacraia). E como vestiário de futebol é vestiário de
futebol, o meia Jefferson logo virou Pocotó. No 100 Valor, ele está jogando
como volante. E jogando bem.
7. Numeração bizarra
Do outro lado, o uniforme é mais
tradicional. Mas basta olhar a numeração para ver que no Leões da Geolândia, da
Vila Medeiros, não fica atrás quando o assunto é novidade para entrar em campo.
Em 2013, o Leões completou 13 anos. O que a diretoria resolveu fazer, então?
Homenagear o ano e a idade e ainda apostar na superstição – no melhor estilo
Zagallo. Como? O goleiro veste o 1313. A dupla de zaga pode ser formada pelos
números 134 e 413. A opção, como você deve estar imaginando, não é nem um pouco
prática.
Quando o juizão tem de advertir a
equipe, sofre. “Toda vez que eu tenho de apresentar um cartão, seja amarelo ou
vermelho, tenho de parar para fazer a anotação. E com esses números, ainda
preciso pedir pro jogador virar. E o jogador que esta sendo punido já está de
saco cheio. Você precisa ser mais enérgico”, diz o árbitro Francisco Carlos
Ruffino.
8. Nasceu na Padaria
Outra curiosidade envolve a criação do
time. O Leões é da Vila Medeiros, na Zona Norte, bairro que está ficando famoso
graças a um restaurante. O Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, que se destaca por
dar um toque contemporâneo na cozinha nordestina. Se você já foi até lá,
certamente cruzou a Rua Geolândia. Foi lá que amigos Lima, Nilton e Nena
tiveram a ideia de formar o time. O nome escolhido foi Leões. “Mas só Leões?”,
indagou um deles. Olhando ao redor, procurando uma inspiração, viram o
letreiro: “Padaria Geolândia”. Estava batizado…
9. Time de seleção
O Leões foi campeão metropolitano em
2005, em um ano em que a Copa Kaiser não foi disputada. E é famoso, também,
pelo histórico de jogadores de seleção brasileira. Durante sua primeira
passagem pelo Palmeiras, o atacante Vagner Love disputou jogos pelo time verde
da zona norte (mas não da Copa Kaiser). O nome do atacante, aliás, constava no
uniforme até o ano passado.
O volante Elias, ex-Corinthians e hoje
no Flamengo, tem uma ligação ainda maior. Em 2006, ele tinha acabado de deixar
o Náutico e estava sem clube. Deprimido, passou a defender o Leões da Geolândia
por insistência da família e de amigos. Deu certo. Ele chamou a atenção do São
Bento, então comandado pelo colombiano Freddy Rincón. Três anos depois, estava
no Corinthians.
10. Velocidade infernal
Atualmente, o destaque do time é um
atacante baiano e rápido. Aos 24 anos, Capetinha veio para São Paulo jogar
futebol profissional. Não conseguiu, mas se tornou destaque da várzea. É um dos
melhores jogadores da atual edição da Copa Kaiser e um dos responsáveis pela
boa campanha do Leões na competição. O time baseia todo o seu estilo de jogo em
sua velocidade. Quem viu o jogo contra o Danúbio/Freguesia do Ó, sabe bem
disso. No segundo tempo, quando o time vencia por 1 a 0, por exemplo, ele
liderou três contra-ataques que só foram parados por falta – no último, o
zagueiro rival acabou expulso.
11. Heróis embaixo da trave
Apesar de Capetinha, os grandes
destaques do Leões na semifinal foram os dois goleiros. O titular, William,
salvou o time em pelo menos quatro lances. No mais importante deles, o
artilheiro do torneio, o atacante Baixinho, finalizou dentro da área, com o gol
vazio. O goleirão se recuperou no lance e evitou o gol. Mesmo assim, foi
substituído no fim do jogo. O reserva Gustavo entrou especialmente para as
cobranças de pênaltis. E o segundo goleiro herói do jogo surgiu – mais uma vez
contra Baixinho. O artilheiro bateu nas mãos do goleirão.
12. Goleiro machucado
Mas, se um dos finalistas tem dois
goleiros, o outro tem só um. E que está jogando no sacrifício. O 100 Valor
inscreveu apenas o goleiro Julio Cesar na Copa Kaiser e o jogador se machucou
nas oitavas de final. Desde então, joga no sacrifício, já que não tem reserva.
A ausência de um outro jogador da posição foi fruto de uma confusão no início
do ano. Um nome tinha sido definido e a diretoria não se preocupou em procurar opções.
Quando chegou a hora da inscrição, porém, o goleirão desejado já tinha sido
inscrito por outra equipe, deixando Julio Cesar sozinho.
13. Preconceito na Rússia
A história mais chocante da final,
porém, é do atacante (que está jogando improvisado na lateral-esquerda) Róbson.
Veteraníssimo. Ele já foi vice-campeão da Série C e rodou pelo país defendendo
vários clubes. Jogou com Muricy no Náutico e Jorginho, o técnico, na
Portuguesa. Sua melhor história, porém, é da Rússia. Ele jogou no Anzhi em
2003, antes da compra pelo bilionário Suleyman Kerimov (aquele que contratou
Eto’o e Roberto Carlos e, neste ano, se desfez do meia William,
ex-Corinthians). Durante as partidas, pela torcida, e até durante os treinos,
pelos companheiros, ele foi chamado de macaco. Desistiu e voltou ao Brasil.
14. A várzea e a cervejinha
Agora que os times já foram
apresentados, vamos ao torneio. Se você chegou até aqui, sabe que o futebol de
várzea não morreu, como muita gente costuma dizer. E ele sobrevive graças à
cervejinha. A maior parte das iniciativas do esporte amador envolve a bebida.
Depois do jogo, os amigos sempre se reúnem para uma pelada. Os torneios, dos
mais amadores aos semiprofissionais, costumam ser organizados pelos donos de
bares que ficam às beiras dos campos. Alguns times, principalmente os mais
organizados, também pertencem a eles. É o melhor tipo de marketing. Você
investe em esporte, traz times para a beira do campo, a torcida vem para
acompanhar um grande time e você vende muito. Não é á toa, então, que o
principal torneio de várzea da cidade seja patrocinado por uma marca de
cerveja.
15. Jogador recebe, sim
Várzea é sinônimo de futebol amador. Mas
no “nível Kaiser”, o amador fica só no nome. Na base da pirâmide, os atletas
jogam por amor ao esporte. Mas na elite, atinge níveis de organização que
beiram o profissionalismo. Os times pagam para que jogadores defendam suas
cores. E são pagamentos altos. Histórias que circulam nos bastidores dão conta
de quitação de apartamentos e compras de carros para garantir atletas.
Os “salários” variam. Alguns times pagam
de R$ 200 por jogo para atletas com acordos longos até R$ 600 (ou mais) para as
principais estrelas. Nas categorias de base de times de menor expressão, por
exemplo, jogadores de mesmo nível ganham R$ 500 mensais.
16. Profissional prefere a várzea
O negócio de receber para jogar futebol
amador é tão bom que é fácil encontrar atletas recusam propostas de times
profissionais do interior de São Paulo para ficar na várzea. O dinheiro é
menor, o jogador não tem vínculo empregatício, mas depois de todos os jogos o
envelope com o bicho está lá. É sagrado. “Você não recebe tão bem. Os valores
são menores. Mas recebe sempre. Estou há três anos na várzea. E sempre recebi
em dia”, conta Luizinho, atacante do Jardim São Carlos.
Os calotes na carreira do centroavante,
antes da várzea, eram constantes. No interior de São Paulo ou no exterior. Ele
defendeu um time polonês por seis meses. Disputou a primeira divisão local. Sua
equipe acabou rebaixada e o prometido pela transferência nunca caiu na conta.
“Foi uma experiência boa, de vida. Passei muito frio, conheci outra cultura,
aprendi como é viver em outro país. Mas não recebi”, lembra. Voltou para o
Brasil Teve propostas para rodar pelo Brasil, mas preferiu ficar no amador. “É
claro que não é fácil. Você tem de jogar por mais de um time, cuidar do físico.
Alguns times até ajudam se você se machuca, mas nunca é bom estar parado. Mas
consigo sobreviver do futebol, mesmo sem ser profissional”, conta.
17. Artilheiros revelados
Desde a primeira edição da Copa Kaiser,
em 1995, uma série de jogadores foi revalado no torneio. Atualmente, o mais
famoso é Leandro Damião. O atacante do Internacional surgiu nos campos do
Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. Quando menino, Damião ia para o
campinho com seu irmão, Edimar, e seu pai, seu Natalino Pereira dos Santos. O
jogador até tentou participar das categorias de base dos clubes paulistanos,
entre eles o São Paulo, mas foi rejeitado. A saída foi jogar no futebol de
várzea mesmo, incentivado pelo pai. “Joguei no ‘Tupi City’ e no ‘Estrela da
Saúde’. Batíamos de frente com times da zona leste ou da sul muito bem. Tem
muitas histórias. Às vezes, jogávamos em favelas, aquela pressão de ter que
ganhar e não poder fazer gols porque podia apanhar. Foram várias histórias
dessas, mas, graças a Deus, nunca aconteceu coisa pior”, disse o atacante.
Outro destaque é Ricardo Oliveira, a
primeira grande revelação da Kaiser. O atacante disputou o torneio de 1999 pelo
Estrela Vermelha, da Vila Nivi. Descoberto em um farol, ele brilhou na
Portuguesa em 2000, passou por Santos, São Paulo e pelo futebol europeu. Hoje,
está no futebol dos Emirados Árabes.
18. Maior do planeta
A Copa Kaiser é, hoje, o mais organizado
do futebol amador paulista. Neste ano, teve duas divisões, com 192 times cada,
acesso, descenso e seletivas classificatórios. É só fazer um cálculo rápido e
você chega a um número expressivo: se todo esse sistema fosse um só torneio,
envolveria mais de mil times. O Campeonato de Peladas do Amazonas, o Peladão,
considerado o maior torneio amador do país, é disputado por 800 times em
categorias diferentes – principal, jovem, masters e feminino, entre outras. Na
Copa Kaiser, os mais de 1000 times são da mesma categoria.
19. Última final da Série B
O tamanho da Kaiser, porém, está
diminuindo. Em 2013, a Série B será disputada pela última vez. As seletivas
marcadas foram canceladas e, em 2014, apenas os 48 times que subiram à Série A
na temporada e os 144 remanescentes seguem no torneio.
Nessa última final, o duelo será de
peso: dono de uma das torcidas mais vibrantes da zona leste, o Santa Cruz, do
jardim Sinhá, tenta evitar que o Classe A, da Barra Funda, se torne o terceiro
time campeão da Série A e da Série B da Kaiser – Boa Esperança, de São Mateus,
e Danúbio já têm os dois títulos.
20. Mourinho da várzea
Um dos personagens dessa final da
Segundona é o técnico do Classe A, Kico Nogueira. Se você procurar bem, verá
que até mesmo o português José Mourinho tem um dedo em seu sucesso. Os dois são
ligados por uma pessoa: Baltemar Brito, ex-técnico do Grêmio Osasco e que hoje
está na Líbia. Ex-jogador profissional, Baltemar trabalhou com José Mourinho
por seis temporadas. Foi auxiliar no União Leiria, no Porto e no Chelsea. E
ainda acompanhou o português na passagem pela Inter de Milão, no departamento
de observação de jogadores.
Com Kico, a ligação é amistosa. “Antes
de virar técnico, eu me preparei. Tenho três mentores nessa área, pessoas que
fazem parte do mundo do futebol e com quem eu sempre mantenho contato”, diz o
treinador. O trio é composto por Baltemar, Robson Santos e Adelsio Reis.
21. Sem Pacaembu
No domingo, a final será no estádio do
Nacional. Não é o local que os varzeanos esperavam. No ano passado, o torneio
entrou no livro dos recordes ao realizar sua decisão no Pacaembu. A vitória do
Ajax, da Vila Rica (um dos times mais populares da várzea em São Paulo), sobre
o Turma do Baffô, do Jardim Clímax, foi assistido oficialmente por 21.030
pessoas (o número deve ser maior, já que após os 21 mil primeiros que entraram,
a contagem foi interrompida). O número é considerado pelo RankBrasil, espécie
de Guiness Book verde-amarelo, o recorde brasileiro de torcida em torneio
amador, apesar do Peladão. O torneio de Manaus, em 2009, lotou o estádio
Vivaldão, com capacidade para 43 mil pessoas.
Feita essa introdução, desde o início do
ano jogadores, cartolas e torcedores sonhavam com uma nova chance de ampliar o
recorde. Mas isso não acontecerá. A justificativa para isso é a ausência de datas
do estádio para o torneio. Em setembro, o Santos manifestou o desejo de jogar
no Pacaembu nas últimas rodadas do campeonato. Com isso, três grandes paulistas
estariam atuando por lá e as datas acabaram bloqueadas para o evento amador.
Com isso, a organização decidiu adiantar todo o calendário.
O uso do Nacional, porém, deve criar um
problema sério: a expectativa de público para o domingo é maior do que a
capacidade do estádio. Para a CBF, ela é de 5.000 pessoas. A medida oficial é
de 10.117. Em 2010 e 2011, cerca de 15 mil pessoas entraram e mais cinco mil
ficaram de fora. Para os organizadores, a sorte foi que os dois times com as
menores torcidas entre os semifinalistas chegaram à final…
Fonte: papodevarzea.blogosfera.uol.com.br
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