domingo, 27 de outubro de 2013

VIDA BREVE: Atacante de base do Grêmio morto após atropelamento lutava para se tornar jogador profissional

Sonho do jovem atleta de 13 anos era cultivado desde a morte do pai, também vítima de acidente
 
Josué Drewanz ficou 10 dias internado na UTI do HPS, mas não resistiu Foto: arquivo pessoal/reprodução

 

Carlos Guilherme Ferreira - zerohora.com.br - 26/10/2013

Os olhos, as mãos e a voz de Vanusa Drewanz dimensionam uma dor encravada no coração. Transmitem o sofrimento de uma mãe privada, para sempre, da convivência com o filho único. Vanusa perdeu Josué, 13 anos, após 10 dias de luta pela vida em um leito da UTI pediátrica do Hospital de Pronto Socorro (HPS), em Porto Alegre. Promissor atacante das categorias de base do Grêmio, o menino sofreu traumatismo craniano ao ser atropelado na Avenida da Azenha, na noite do dia 9. Morreria no dia 18, à tarde, entre beijos e afagos de uma mãe em transe.
 
— Estou consciente de que perdi tudo o que eu tenho — lamenta.
 
Era o que restava de uma família dilacerada. Neste domingo, completam-se quatro anos do acidente que vitimou o pai de Josué, o caminhoneiro Daniel — fonte de inspiração do garoto. Josué e Vanusa estavam na boleia quando o caminhão se chocou contra um barranco, na Serra.
 
Daniel foi enterrado em Mangueirinha, no interior de Paraíso do Sul, no centro do Estado. Ao lado do túmulo agora há a lápide de Josué, sepultado com fardamento completo do Grêmio. Pedido de Vanusa, como forma de homenagem a um gremista fanático. Ela entregou à namoradinha do filho, Pyetra, uma camiseta tricolor usada por ele em um jogo pelo Grêmio. Pyetra se orgulha ao vestir a peça, número 18 e nome de Josué às costas. Sorri enquanto observa uma parede repleta de medalhas, na casa do menino.
 
E ele sempre quis ser jogador. Mais ainda, conta a mãe, após a morte do pai. Daniel incomodava como atacante nos amadores de Paraíso, a ponto de um radialista chamá-lo de "Foguete".
 
E dava trabalho marcá-lo, atesta o amigo Lucas Dezan, 13 anos, volante gremista. Ele e o atacante Guilherme Miranda, o Goiano, relembram das correntes de orações por Josué no vestiário do técnico César Lopes. O treinador o define como um menino solidário, obediente e focado nos objetivos — neste caso, virar profissional.
 
A mãe, Vanusa, tenta encontrar forças para seguir adiante após a perda
Foto: Bruno Alencastro
Foi Lopes quem o descobriu no Interior, ao lado do ex-zagueiro Ancheta. Josué só acabou visto, porém, porque a mãe abraçou seu sonho. Trocou a lavoura de fumo em Paraíso para morar em Agudo, onde o filho poderia treinar à tarde em um clube chamado Avenida. Destacou-se a ponto de receber convite para teste no Grêmio, recusado por Vanusa. Era final de 2012. Em março de 2013, nova investida. A família balançou, o menino bateu pé. Valia arriscar. Vanusa ponderou, à época:
 
— Se ele está feliz e vai fazer o que gosta, por que trancar um sonho?
 

O quarto de Josué em Paraíso do Sul - Foto: Bruno Alencastro









 

 
 
 

Em menos de dois dias, ela acertou a papelada, arrumou dinheiro emprestado e tomou o rumo da Capital. Era 1º de abril. Testado por duas semanas, ficou no Grêmio. Tímido na chegada, Josué logo se enturmou.

Um grupo de empresários bancava o aluguel e a conta de luz. Este tipo de aproximação é comum e ajuda os agentes a, no futuro, conquistar uma procuração dos pais para gerir a carreira do jogador. No caso de Josué, também trouxe novas amizades. Não raro, outros meninos empresariados ficavam por alguns dias nos beliches do apartamento. Jogavam videogame — Josué era fã de Cristiano Ronaldo e de Fred, atacante da Seleção.
 
No dia do acidente, o guri chegou mais cedo em casa, onde pedia leite com nescau e pudim de caneca para a mãe. Calçava tênis novos e brincava no videogame antes de ter a ideia de procurar um lugar para ver Grêmio x Criciúma. Ele e mais quatro guris saíram. A mãe ficou para trás, iria em seguida. Nem deu tempo de sair, pois um dos meninos voltou correndo e anunciou:
 
— Tia, o Josué foi atropelado.
 
Deitado no asfalto, Josué tentou se levantar. Só saiu dali de ambulância. No HPS, a mãe logo ouviu a gravidade do quadro. Está consciente de que o melhor foi feito para salvar o filho. Em coma induzido, fragilizou-se ao longo dos dias e sofreu uma parada cardíaca. Vanusa foi alertada de que o filho dificilmente resistiria a outro infarto. Pediu, então, para ficar ao lado dele. Assim viu morrer um menino que, nas orações, pedia a Deus ajuda para virar jogador. Sonhava com a chance de dar à mãe uma vida melhor.
 
Já recomposta de um relato no qual as lágrimas escorrem pelo rosto, ela encontra forças para algum conforto:
 
— Ele viveu cada dia como se fosse o último.

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